[Fotografia de Dasha Pears]
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[...] Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.
É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo nos dois lugares!
Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.
Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo…
e vivo escolhendo o dia inteiro!
Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranquilo.
Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.
Este poema, Ou isto ou aquilo (1964), publicado por Cecília Meireles, é uma das obras mais conhecidas da autora e relata a dificuldade de fazer escolhas durante o dia a dia. Que jogue a primeira pedra quem nunca ficou em dúvida sobre o que escolher entre dois possíveis cenários.
Porém, entre uma decisão ou outra, há muito mais do que apenas duas situações: apesar de normalmente ser comum pensar em opostos para se chegar a determinadas conclusões, como frio ou quente e bem ou mal, há elementos que habitam no entre ou no não-lugar.
De acordo com Deleuze e Guattari (1996), no volume 3 de Mil Platôs, o binarismo e as segmentaridades nos acompanham em diversas fases da vida: “A segmentaridade pertence a todos os estratos que nos compõem. Habitar, circular, trabalhar, brincar: o vivido é segmentarizado espacial e socialmente”.
Ailton Krenak afirma na obra A vida não é útil:
O modo de vida ocidental formatou o mundo como uma mercadoria e replica isso de maneira tão naturalizada que uma criança que cresce dentro dessa lógica vive isso como se fosse uma experiência total. As informações que ela recebe de como se constituir como pessoa e atuar na sociedade já seguem um roteiro predefinido: vai ser engenheira, arquiteta, médica, um sujeito habilitado para operar no mundo, para fazer guerra; tudo já está configurado. (KRENAK, 2020, p. 46)
É possível observar, em sociedade, a necessidade de tomar decisões para se desenvolver, mas por que elas parecem seguir um roteiro prévio? Onde estão os outros caminhos possíveis de serem imaginados e percorridos?
Ao passo que o binarismo é bastante presente, há linhas de fuga que passam despercebidas e, com isso, as possibilidades de existir se reduzem, mas é preciso lembrar que “a vida é fruição, é uma dança, só que é uma dança cósmica, e a gente quer reduzi-la a uma coreografia ridícula e utilitária”, como Krenak no lembra.
o que tenho visto por aqui
📚 Comecei a ler a obra Anatomia de um quase corpo, da escritora e professora de escrita Yara Fers, e já deixei um lencinho aqui do lado. Entre o corpo-humano e o corpo-máquina, o que permanece? Este livro está concorrendo ao Prêmio Kindle de Literatura, e aqui vai um trechinho da prosa poética:
quando o socorro chegou e fui levada, sei que as máquinas voltaram a digerir, provavelmente mais velozes do que antes. seria necessário compensar o tempo perdido com aquela parada imprevista.
eu não pude ver.
não bati ponto na saída.
esqueci a tangerina na máquina.
mas eu não morri naquela noite. foi antes.
(!!!)
📺 Estou vendo as séries Hacks e Only Murders in the Building, e tô amando a proposta das duas. Quais séries você tem assistido por aí? Tem alguma pra indicar? :)
outras ondas
Microcontos que escrevi
O que une as mulheres
A fadiga mental
Livros-objeto de Noemi Jaffe
Tayná conversa com Lili Prata
Imagens de Júpiter
uma conchinha na beira do mar
Uma das cenas mais lindas do filme Inferninho, que assisti no cinema antes da pandemia.
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Um beijo e até a próxima semana!
“a vida é fruição, é uma dança, só que é uma dança cósmica, e a gente quer reduzi-la a uma coreografia ridícula e utilitária”.
Até anotei para nunca esquecer. Obrigada! <3