Oi, sou Priscilla e ter sua companhia por aqui me deixa muito feliz. Como você tem passado essa semana? Por aqui, estou com o coração apertado, mas ainda esperançoso e na torcida de boas notícias no domingo. Espero que você goste da edição que preparei hoje. Boa leitura :) um beijo!
Amanhecer outra vez
passo um café e
abro a janela
procuro por um sinal
celeste, material ou invisível
vejo um vestígio de amor estendido
à mostra no prédio vizinho
ainda há esperança
Nos últimos anos, temos presenciado uma série de desmontes, afastamentos e perdas em diversos segmentos de vida desse país. O que começou com as fake news de mamadeira de piroca e kit gay foi tomando outras proporções até chegar ao que temos hoje (que muda para pior em um piscar de olhos, inclusive): banheiro unissex, fim da nação brasileira, país tomado pelo comunismo, fechamento de igrejas, entre várias outras desinformações que se alastram pelas redes. É até difícil acreditar como é possível que tantas pessoas acreditem em notícias falsas como essas e não enxerguem as verdadeiras atrocidades que estão acontecendo o tempo todo, mas infelizmente algumas delas realmente acreditam. É como se parte das pessoas escutasse e enxergasse apenas a voz violenta de um presidente que mente, não respeita quem pensa diferente e, ainda, agride o direito de viver de forma digna.
Outro dia, estava passando o bom e velho cafezinho da tarde quando comecei a ouvir um vizinho tentando conversar com alguém que não queria tanto ouvi-lo, mas ele ainda continuava: “é pelo direito de outras pessoas conseguirem viver bem, porque os pobres também precisam estudar, entrar nas universidades, viajar, comer, trabalhar, e eles conseguiam fazer isso antes, agora as oportunidades estão sendo apenas para quem tem mais dinheiro”. A conversa logo parou e é doloroso pensar que ainda é preciso explicar o óbvio e, o pior, sem ter muita gente querendo ouvir.
Um dos ideais fascistas é distanciar ainda mais as pessoas e, por isso, que vemos muito os termos “o outro lado”, “os petistas”, “os comunistas”, “eles/aqueles lá”, enquanto a bandeira do país é tomada e entendida como pertencente a quem está no poder, reduzindo também a noção de humanidade e entendendo quem pensa diferente como “inimigo”. Podemos ver esse distanciamento até mesmo nos almoços de família. A fraternidade, os laços de amizade, o respeito ao próximo, a construção de pontes, a abertura para o diálogo, tantas coisas foram rompidas de forma tão brusca e dolorosa que, às vezes, parece até que nunca existiram e, de acordo com Carl Jung:
Onde o desejo de poder é primordial, o amor estará ausente.
Durante os debates dessa eleição, senti muita falta de ver mais questões sobre a democracia, que tem sido tão ameaçada de diversas formas. No período da anistia, as vozes de desaparecidos e exilados foram silenciadas diante de um “perdão” aos atos violentos que aconteceram, e não houve reconhecimento dos crimes nem trabalho de memória no Brasil. Sobre isso, Jeanne Marie Gagnebin, nos fala que:
Tortura-se e mata-se os adversários, mas, depois, nega-se a existência mesma do assassínio. Não se pode nem afirmar que as pessoas morreram, já que elas desapareceram sem deixar rastros, sem deixar também a possibilidade de um trabalho de homenagem e de luto por parte dos seus próximos.
Quando algumas vozes são omitidas e até negadas, e a memória se encontra em um local de disputa onde quem ganha é quem está no poder, impondo sua releitura do passado sobre a visão de quem não pensa da mesma forma, é um sinal de alerta. A ditadura não é feita apenas de canhão no meio das ruas, mas também de redução nas verbas da educação, da cultura, da ciência, da saúde e várias outras formas de negação que vão minguando a existência e as condições físicas e mentais do povo.
A lógica do governo atual não se trata de falar o que pensa, liberdade de expressão, ligação à religião ou sinceridade, mas de chantagem, enganação, deturpação de crenças, desagregação de pessoas, violências físicas e verbais, alienação, negacionismo, ameaças e difamações. Apesar de muitas pessoas não aguentarem mais falar sobre política e eleição (realmente são assuntos que sugam muito da nossa energia, ainda mais no momento em que estamos vivendo), o voto de cada pessoa não envolve apenas um número colocado na urna eletrônica, mas abarca uma série de pensamentos, ações, modos de ver a vida e de se relacionar com os outros, os animais, o meio ambiente, enfim, afetando o dia a dia de muitas outras pessoas. Quais caminhos podemos trilhar fora da opressão que temos encontrado para buscar formas de compartilhar amor, afeto e esperança em nossa rotina? Como Bell Hooks nos lembra em Tudo sobre o amor:
A luz do amor está sempre em nós, não importa quão fria esteja a chama. Ele está sempre presente, esperando uma fagulha que o inflame, esperando que o coração desperte e nos leve de volta para a primeira lembrança de ser a força da vida dentro de um lugar escuro esperando para nascer - esperando para ver a luz.
Precisamos voltar a ter esperança, apesar das dores, e não digo isso como um jeito de falar sobre positividade ou qualquer tipo de pensamento positivo, até porque não acho que isso se encaixe nesse momento. Não é fácil ver pessoas que amamos confiarem em alguém que maltrata tanto as pessoas por meio de discursos de ódio e violência. Ver tudo isso enfraquece nossos sentidos e, por isso, precisamos renovar nossas forças, ver uma trilha clara pro meu Brasil apesar da dor e acreditar no amanhã.
Por mais que algumas pessoas não reconheçam o risco que estamos correndo, contar com um governo democrático no próximo ano também vai fazer uma boa diferença na vida delas. Não é simplesmente uma questão de escolha de partido, mas de recuperar o país e a força de viver que temos perdido dia após dia.
o que tenho visto por aqui
🎬 Assisti ao filme Bem-vinda a Quixeramobim no cinema, e amei a forma como o filme abordou críticas sociais, estereótipos que fazem dos cearenses e aspectos importantes da nossa cultura com a comédia espontânea e potente que é presente nos filmes de Halder Gomes e Edmilson Filho. Achei muito mais engraçado e incrível do que esperava, amei ver Max Petterson atuando e me emocionei também com a menção ao Paulo Gustavo no final: "Rir é um ato de resistência".
💻 Escrevi uma resenha com as minhas impressões sobre o livro Tudo que já nadei, de Letrux, no meu blog Memórias de vento. Clica aqui pra conferir!
✍️ Micropoemas que fiz no clube de escrita da Mell Renault :)
📚 Comecei a ler A alma encantadora das ruas, de João do Rio, que fala muito sobre a cidade e o ato de flanar de forma bastante fluida:
A rua nasce, como o homem, do soluço, do espasmo. Há suor humano na argamassa do seu calçamento. Cada casa que ergue é feita de esforço exaustivo de muitos seres, e haveis de ter pedreiros e canteiros, ao erguer as pedras para as frontarias, cantarem, cobertos de suor, uma melopeia tão triste que pelo ar parece um arquejante soluço. A rua sente nos nervos essa miséria da criação, e por isso é mais igualitária, a mais socialista, a mais niveladora das obras humanas.
outras ondas
uma conchinha na beira do mar
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Obrigada por ler até aqui ♥️
Um beijo!
bellzinha <3
adorei a edição. vamos vencer!